domingo, 13 de abril de 2014

Do Universo Negro em Mim (Brisa Aziz)

Para as minhas pretas

O universo, negro que só ele,
me presenteia diariamente
e quando eu menos espero.

Às vezes as coisas me chegam de graça.
Às vezes eu pago na raça,
          na luta
no tempo despendido em desenrolar
metragens de fios de terminações nervosas.

Na falta de calma.

No emprego de uma força bruta
que jorra do fundo da alma.

          "pulsando por cada poro
          exalo minha negritude
          à flor da pele"

E o Universo me presenteou
quando eu menos esperava: 
          Me estendeu o couro por cima das pedras,
          Espraiou sua negritude por todas minhas terminações.
          Me deu "Integridade".

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INTEGRIDADE
(poema de Geni Mariano Guimarães)

"Ser negra.
Na integridade
calma e morna dos dias.

Ser negra,
De negras mãos,
De negras mamas,
de negra alma.

Ser negra, negra.
Puro Afro sangue negro,
Saindo aos jorros por todos os poros. "

terça-feira, 8 de abril de 2014

Sobre Viver Adolescendo (Brisa Aziz)

Cresci em muitos lugares...
Mas essa fase de adolescência, esse crescimento num sentido big, num sentido quase que bio-psicológico - o desfolhar de asas para um futuro voo solo - ah, pois... a adolescência perene, a que dura uns seis ou sete anos, ESSA rolou enquanto eu morava em Foz do Iguaçu, no Paraná.

A tríplice fronteira do Mercosul, a meca de amantes da natureza e dos esportes radicais, a cidade que contém a maior hidrelétrica do mundo, a segunda em população de árabes, chineses e coreanos no Brasil, a última fronteira - a porta de entrada para todos os baratos legais ou não.

Foz tem espaço pra tudo e pra todos - de metaleiros a punks (que lá não se misturam, que é pra não dar treta) - da galera do hardcore e do RAP colando nas pistas de skate aos fãs de U2 politicamente corretos, de pagodeiros a fandangueiros que, sim, usam bombacha mesmo e gostam de fazer de aniversário a casamento no Centro de Tradições Gaúchas, regado a muito churrasco com chimarrão.

A foz é de ideias, de costumes, de línguas, de temperos e tradições.

A lenda local dá conta de dois índios guaranis, Naipi e Tarobá, que irritaram M'Boy, a serpente, que queria Naipi pra ser consagrada somente a ele. Mas os dois apaixonados, é claro, tentaram fugir usando uma canoa... Resultado: a serpente estremeceu por debaixo do rio e por baixo da terra debaixo do rio e abriu a grande fenda que hoje conhecemos por Cataratas do Iguaçu. Isso tudo só pra separar os dois. Naipi ele fez questão de transformar em uma rocha e Tarobá em uma palmeira, ambos à beira do abismo, para serem eternamente fustigados pelas águas.

E então que, tendo crescido cercada de causos e de uma profusão babilônica de ideias e de origens, não sinto como uma grande dificuldade esse lance de sacar os outros, não... isso de perceber os espaços dos outros e ficar de boa. De sacar o meu próprio espaço e os dos meus e defender com faca nos dentes.

Dia desses alguém reproduziu um "bateu de frente é tiro, porrada e bomba"... Lembrei de minha adolescência. Dessa necessidade de ''alta''afirmação. Desse sacode que se dá nos outros pra não se meterem a besta (rs). E eu já fui sangue no olho, viu!

Mas, principalmente depois que "mãezei", o meu M'boy interior adormeceu. Não retorce mais minhas tripas em fúria. "Encontrei Jesus", como se diz por aí.

Mas às vezes... às vezes... rolam uma situações em que eu 'apenas observo'. Observo e respiro fundo sabendo, com a tranquilidade de quem vai chegar aos 70 anos ainda adolescendo, que determinadas situações simplesmente não valem o desgaste.

 Aí me ocorre, internamente: "ah, se essa figura me faz uma dessas uns dez anos atrás...''

Aí eu Rio.
:D

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Sobre Viver (Brisa Aziz)

Retinas afiadas
em uma pedra de amolar.

Postura relaxada
que lembra a de um faquir.

Ideias concebidas
de quem sabe omitir
seus mau passos,
sua covardia.

E eu,
        E eu...
                E eu?

Eu passarinho
- eu transpareço.

E realizo
meu canto final.

domingo, 16 de março de 2014

Da Chuva (Brisa Aziz)

“...e a flor da chuva no capim
tem mais perfume”
Costa Andrade


Fui nomeada no esteio do vento.

Aí é que eu,
de menina,
pedia chuva e achava
que tinha parte com o tempo.

Fazia um ritual diário de rede e suco
depois do almoço.

Nutria o meu exercício
de domar vento.

A chuva?
Às vezes, vinha.
Se vinha, era a meu contento:

Liquefazia meus sonhos,
Embalava o compasso rangido da rede,
Batia mais de mil dedos no tambor
das telhas
e da terra.
Cheirava a frescor.

Da Minha Pele Preta (Brisa Aziz)


batuque de cada poro
exalo minha negritude
à flor da pele



Sangria (Brisa Aziz)

Sangro.
Toda vez que a voz me falta
e o alheio
          de tão pessoal
me cala.

Sangro.
Gota a gota
          devaneios
e venenos destilados
do organismo de terceiros.

Sangro partes
de palavras mal trocadas;
Sangro um sal
           mouro
trancada num estado de atenção.

Sangro só
mais uma prenhez que explode,
se refaz enquanto ode
de si mesma
            à solidão.


domingo, 7 de julho de 2013

Regalo (Brisa Aziz)


Sou de uma estirpe antiga de observadores do tempo.
Estou, sempre que posso, à janela da vida.

Sendo assim, 
demorei a falar:
gozava a vivência das linguagens dos outros.
Preferia chupar o dedo.
Fruir as significâncias que imprimiam ao mundo.
Ler, por outro lado foi ligeiro:
Prazeres maiores que 
ver e ouvir e matutar 
o que disseram de caso pensado 
são poucos.

Matutar...

Meu verbo é de observâncias e de comunhões estreitas.
Gosto mesmo do bololô cadenciado 
de sons e ideias que põem em ritmo a vida.
Gosto da pêga em ouvir minha tia Xana dizendo: 
“Tá escrito na bíblia!
O prazer da vida, minha filha, é comer, beber e se regalar...”
Regalo, desde sempre, uma existência de fruições.
E foi só quando senti
que era hora de abrir a boca,
eu disse, em bom português:
“Aqui se fala essa língua!”